O pé-frio Ahmadinejad e o que mais se falou sobre bola nos documentos americanos vazados
Miguel Caballero
No mundo da diplomacia, o esporte costuma ser vir como amenidade universal para descontrair a conversa
em encontros protocolares de chefes de estado.
Mas também é tratado como assunto sério em ofícios até outro dia
sigilosos. Seja apenas um esporte popular ou um instrumento de controle
político, o futebol esteve no centro da preocupação dos Estados Unidos
com o fortalecimento de governos não aliados em diferentes continentes.
Dos milhares de relatos de diplomatas americanos ao governo dos EUA
capturados pelo grupo WikiLeaks, pelo menos cinco dentre os já revelados
tratam diretamente do futebol, seja como forma de exploração
político-eleitoral, ou como indicador de crises que os governos tentam camuflar.
Levantamento do GLOBO identificou relatos de representantes americanos
em quatro países, todos da periferia do mundo da bola, mas alguns com
importância estratégica para a política externa americana:
Irã, Jordânia, Angola e Mianmar.
Considerado o inimigo número 1 dos Estados Unidos na geopolítica atual, o
Irã é um dos principais alvos de interesse da política externa de
Barack Obama, e, dentre os muitos documentos vazados sobre o presidente
Mahmoud Ahmadinejad, um deles trata especificamente de sua relação com o
futebol, com revelações curiosas, até engraçadas, e preocupações mais
sérias.
Ahmadinejad apoia mulheres
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é hoje o único líder
importante do Ocidente a manter boa relação diplomática com o Irã — o
que já lhe custou críticas por uma suposta amizade pessoal com o
dirigente iraniano —, há uma coincidência que os aproxima ainda mais:
assim como já faz parte do anedotário sobre o presidente brasileiro,
Ahmadinejad também convive com a fama de tremendo pé-frio no esporte.
O rótulo consolidou-se, conforme conta em email para Washington o
representante americano Timothy Richardson, numa partida entre a seleção
iraniana e a Arábia Saudita, em março de 2009, pelas eliminatórias da
Copa do Mundo de 2010. O Irã vencia, mas sofreu o empate nos minutos
finais, justamente quando Ahmadinejad acabara de adentrar o estádio.
No documento de 9 de junho de 2009, o diplomata descreve que “este
evento, somado a uma inesperada derrota da seleção de luta olímpica
(esporte muito popular no Irã) no início do ano, desencadeou uma
tempestade de mensagens de SMS e piadas na internet culpando o
presidente pelas derrotas”.
A gozação ao presidente é a parte frívola de um documento que manifesta
preocupação com a aproximação entre o presidente iraniano e o time
nacional de futebol. Na visão americana,Ahmadinejad tem buscado, há mais
de dez anos, associar sua imagem ao desenvolvimento da seleção
iraniana. O presidente é visto como um líder que “tirou grande lucro
político” do esporte. O diplomata descreve que Ahmadinejad costuma
aparecer na imprensa com jogadores, em visitas a treinos da seleção
antes de competições importantes.
E uma observação surpreendente dimensiona a aproximação do presidente
iraniano com o futebol: em 2006, Ahmadinejad, descrito como “um político
conservador”, chegou a defender o futebol feminino no país, o que foi
vetado pelo líder islâmico Khamenei, “numa rara e significativa
discordância pública entre os dois”, diz o relato do diplomata.
O texto lembra ainda do fracassado lobby de políticos europeus pela
exclusão do Irã da Copa de 2006, e da vitória iraniana sobre os Estados
Unidos na Copa de 1998, um grande acontecimento para o país explorado
politicamente, segundo o americano.
O diplomata Richardson escreveu aos Estados Unidos em 9 de junho do ano
passado, véspera da partida entre Irã e Emirados Árabes Unidos pelas
eliminatórias da Copa 2010. No dia 12, haveria eleições presidenciais.
Richardson faz relato sobre o clima em Teerã após inflamados debates
entre quatro candidatos à presidência, e disserta sobre uma preocupação
do governo iraniano em relação à partida: uma derrota “para os Emirados
Árabes, um rival político e econômico do Irã no Estreito de Ormuz, seria
profundamente
embaraçosa para o orgulho nacional iraniano e poderia causar danos à imagem de Ahmadinejad junto ao eleitorado”.
Numa descrição técnica sobre futebol incomum para um americano,
Richardson lembra que os Emirados Árabes eram considerados a pior
seleção do grupo, mas que o último encontro entre as duas seleções havia
terminado empatado.
No dia 10, o Irã venceu por 1 a 0, o que evitou um clima de frustração
no país às vésperas das eleições vencidas por Ahmadinejad em 12 de
junho.
Ditadura se apoia na bola
Ainda na Ásia, os documentos do WikiLeaks trazem o que é considerado
pelos americanos um exemplo claro da política de oferecer diversão para
amansar o povo. País fronteiriço à China e à Índia, Mianmar
(antiga Birmânia) vive sob ditadura militar. Só em 2009 foi criada uma
liga de futebol no país, que por enquanto reúne apenas oito equipes.
No ofício encaminhado em 19 de junho de 2010 por Samantha Carl aos
chefes da diplomacia americana, a criação do campeonato é vista
comdesconfiança. “Não está claro se há qualquer motivação política
por trás da MNL (sigla para a Liga Nacional de Mianmar), embora muitos empresários
birmaneses especulem que o regime está usando isso como uma maneira de
distrair a população dos problemas políticos e econômicos”. Em seguida, o
texto comenta o sucesso popular da Liga no país e diz que a MNL provou
que pode ser “alguma coisa para os birmaneses conversarem sem ameaçar o
regime”.
Em Angola, dinheiro chinês
Num documento de 26 de fevereiro de 2010 pela embaixada americana em
Angola, o futebol aparece como uma evidência dos investimentos da China
no país africano, o que desperta a atenção dos Estados
Unidos. O texto assinado por três representantes do governo de Barack
Obama na África do Sul lembra que Angola foi devastada pela guerra civil
e conta que os chineses estão “profundamente engajados no financiamento
da reconstrução do país”. Além de citar linhas de crédito abertas pelos
chineses de até US$ 6 bilhões, o documento revela que quatro estádios
usados na Copa Africana de Nações de 2010, disputada em janeiro em
Angola, foram financiados pelos chineses — na capital Luanda e nas
cidades de Benguela, Lubango e Cabinda. ■
Retirado do http://sergyovitro.blogspot.com/2010/12/o-futebol-nos-cabos-do-wikileaks.html
1 comentário:
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