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domingo, 29 de agosto de 2010

Gino, Tanque de Guerra, Arma Mortífera! por Dr. Catta Preta



 
Gino, Tanque de Guerra, Arma Mortífera!


Gino Orlando nasceu em 03/09/29. Paulistano da gema, Gino cresceu assistindo ao esplendor do futebol em São Paulo.

A juventude de Gino Orlando foi uma juventude de delírio futebolístico.

Sim, porque os anos 40 foram anos poéticos para o futebol paulista. Gino, aquele jovem de dezesseis, dezessete anos, ia ao Pacaembu ver os shows de Leônidas, Bauer e Sastre, que ganhavam tudo pelo São Paulo, Gino ia ver Oberdan, Villadoniga e Lima envergando a camisa do Palmeiras, Gino assistia embevecido aos shows de Domingos da Guia, de Servílio e de Hércules pelo Corinthians.

Gino, como tantos adolescentes e jovens daquela época de ouro, queria ser jogador de futebol.

Aos vinte anos, ele procurou o Palmeiras. Corria o ano de 1949, ele tinha vinte anos, o Palmeiras era mais perto da casa dele, amigos o influenciaram a procurar o clube esmeraldino, alguém o levou ao Parque Antarctica para treinar, hoje um jogador se profissionaliza aos dezesseis anos, naquele tempo se descobria uma craque aos vinte, vinte e dois anos, ou mais...

Gino, como tantos, jogava na várzea.

Nos campos da várzea paulistana, seu nome vinha crescendo, naqueles tempos era na várzea que se forjavam as pérolas da bola, na várzea os craques proliferavam.

De Gino se dizia o seguinte: é um tanque de guerra, é uma arma mortífera de fazer gols!

O Palmeiras o acolheu. Mas o Palmeiras era uma plêiade de grandes astros experimentados. Gino foi aprovado, assim como seria aprovado Dino, sim, Dino Sani, “Il Signore Sani”, que era seu grande amigo e parceiro de várzea.

Mas, mal aproveitados, ambos foram emprestados ao XV de Jaú. No interior, ele e Dino transformaram-se em sucesso, chamaram a atenção, mas o Palmeiras os ignorou.

Gino e Dino foram então para o extinto Comercial da Capital e no Comercial seguiram fazendo furor enquanto o Palmeiras contratava craques já formados para enfrentar o imbatível São Paulo de Remo e Cia.

E foi justamente o Tricolor Paulista quem deitou vistas sobre os inseparáveis amigos, Gino e Dino.

O São Paulo tinha um time envelhecido, queria renovar, contratou os dois.
Gino custou ao São Paulo, em 1952, a bagatela de Cr$ 300.000 cruzeiros, Dino viria dois anos depois e custaria ainda muito menos.

Sem ganhar o Campeonato Paulista desde 1949, ano do encerramento da carreira do inesquecível Leônidas da Silva, o São Paulo, aos poucos, foi refazendo seu time e, em 1953, armou um novo esquadrão, que sacudiu o país.

Tudo era novo no Tricolor.

Poy, o lendário goleiro argentino, iria marcar época, Mauro Ramos de Oliveira, o grande Mauro, o zagueiro elegante, iria solidificar seu nome, Maurinho, a flecha, iria despontar, Albella, o argentino ponta de lança faria estremecer os adversários, Pé de Valsa, o médio bailarino daria espetáculo e Gino, o tanque de guerra, a arma mortífera, passaria a ser o motivo da insônia dos rivais.

Sim, pois Gino era um destruidor de defesas!

Gino, lançado pelo técnico Vicente Feola, estreou num “Majestoso”, no Pacaembu, em 12/03/53, pelo Campeonato Paulista, e o São Paulo perdeu por 3 x 2. O menino não tremeu, encarou a defesa corintiana, duelou, trombou, dividiu, a torcida sentiu que aquele garoto vinha com uma sede de gols que dava gosto...

Na semana seguinte novo clássico, o Choque-Rei, no mesmo Pacaembu, e uma fragorosa derrota por 4 x 0.

Estremeceram-se as bases mas, Feola, o grande pai, o técnico bonachão e multi-vencedor,  manteve o jovem time para as partidas subseqüentes.

Feola, dez dias depois, fez um amistoso contra o Atlético Mineiro, havia tempo para amistosos, o jogo foi no Estádio Independência em Belo Horizonte, não havia Mineirão, e o São Paulo ganhou por 3 x 0. O primeiro gol foi de Gino, um gol de insistência, depois de um demorado perde e ganha, depois de dividir a bola três vezes com um zagueiro do galo.

Gino Orlando, a máquina mortífera, nunca mais sairia do time.

Gino, aquele insistente, aquele obcecado pelo gozo de ver a bola no fundo do gol do adversário, passou a ser a esperança de gols da torcida são-paulina. 

Gino tinha fome de gols, a alegria de Gino era ver a rede balançando, ele não 
era habilidoso, não! Longe disso! Mas era um goleador espetacular. Em entrevista a uma rádio paulista alguém, desinformado, perguntou a Gino, nos primeiros dias de sua saga de glórias, se ele gostaria de jogar um pouco mais recuado e ele respondeu: “Não! “Quero jogar de artilheiro, meu negócio é fazer gols”!

Gino iria marcar época no São Paulo FC.

Já em 1953, ano de sua estréia, ele arrebentou. O Pacaembu ficava em solene suspense até os últimos momentos de qualquer jogo do Bem Amado; o tanque de guerra, a arma mortífera, podia decidir e levar o São Paulo à vitória com uma cabeçada, com uma trombada, com um gol mágico, tirado da cartola quando ninguém mais esperava.

Ai dos beques se vacilassem, o homem era um perigo!

Gino virou ídolo.

O São Paulo foi Campeão Paulista de 1.953 vencendo o Santos, por 3 gols a 1 em plena Vila Belmiro, Gino não fez gols mas incomodou, brigou, guerreou, chamou a atenção, abriu espaços, encantou. O jogo final aconteceu em 24/01/54; erra, portanto, quem diz que houve outro “Campeão do Centenário”, pois o primeiro campeão do ano de 1954, ano do quarto centenário de São Paulo, foi o São Paulo FC, embora o título se referisse ao ano anterior!

Ouviram, iguais?

O primeiro campeão do ano de 1954 foi o São Paulo de Gino!

Espalhem!

E Gino Orlando foi se acostumando com a responsabilidade de vestir a camisa das três cores mais lindas do mundo, era como se tivesse começado no São Paulo.

Gino não tinha medo de nada, zagueiro nenhum o parava, Gino desbravava a área como um saqueador, era implacável. Desandou a marcar gols.

Houve um período difícil na vida São Paulo. O time sofreu várias mudanças, o projeto Morumbi começou a ser implantado, dinheiro só era gasto com muita parcimônia, era em Gino que se concentravam as esperanças de nossos gols.

E ele não decepcionava. “Gooool de Ginooo”, gritavam os narradores do rádio!

O São Paulo era Gino, o tanque de guerra, a arma mortífera, e mais dez.

O povo pediu e Gino foi à seleção.

Em 1956, em partida inesquecível, no histórico Estádio do Vale do Jamor, em Portugal, Gino assombrou o mundo e fez, de bicicleta, o gol que deu a vitória ao Brasil por 1 x 0. Sim, de bicicleta!

O Brasil nunca havia vencido uma Copa do Mundo, aquela vitória na Europa e aquele gol da “arma mortífera”, Gino, o transformaram de vez em celebridade, Gino passou a ser o craque de todas as torcidas, o vingador, o herói da área.

O São Paulo foi crescendo em torno de seu artilheiro. Dino, o eterno companheiro, era o dono do meio campo, surgiu Canhoteiro, o maior ponta-esquerda que o mundo conheceu, depois veio Mestre Ziza e o Tricolor, em 1957, destruiu a parceirada, sem dó.

Ninguém podia com aquele timaço de Poy, De Sordi e Mauro, Dino, Victor e Riberto, Maurinho, Amauri, ele, Gino, a máquina mortífera, Zizinho e Canhoteiro.

Em memorável vitória, o São Paulo bateu o Corinthians, no Pacaembu, por 3 x 1, e sagrou-se Campeão Paulista daquele ano sagrado e antológico.

Claro, nos meados dos anos 50 Zizinho foi rei, Dino foi gênio, Mauro foi estrela impecável, mas Gino era a garra, era a esperança do gol, era a referência da área, era o verdadeiro pesadelo dos adversários!

Alfredo Ramos, um lateral-esquerdo espetacular chamado de “polvo” pela torcida tricolor e que brilhara no time até o final da década de 40 como reserva de Noronha, se transferira para o abominável rival, o Corinthians.

Em 1957, ano de glória são-paulina, Alfredo, o “polvo”, num lance infeliz, em jogo contra o próprio São Paulo, em um “Majestoso” perdido na noite dos tempos, quebrou a perna.

Atribuiu a torcida corintiana a Maurinho, nosso velocíssimo ponta-direita, a fratura do bom Alfredo. Um ambiente tenso e belicoso estabeleceu-se no ano de 1957 entre torcidas e jogadores de São Paulo e Corinthians.

Gino, nosso implacável artilheiro, entrevistado, defendeu Maurinho, atribuiu à má sorte a contusão do “polvo” e disse que futebol era para homem, que acidentes aconteciam.

Vou contar a vocês um episódio histórico, vou contar o que ninguém jamais contou com precisão.

Prestem atenção, iguais.

Alfredo Ramos morava na Rua Felipe Cardoso, no Bairro do Jardim da Saúde, em São Paulo.

Alfredo, o “polvo”, era simpático aos são-paulinos mas os corintianos não se conformavam com a contusão dele e com as declarações de Gino.

Ocorreu que o elenco corintiano foi visitar o convalescente Alfredo Ramos em sua casa, na referida Rua Felipe Cardoso, e, no mesmo dia, vários jogadores do São Paulo também tiveram a mesma idéia.

Os rivais se encontraram. Naquele tempo os craques amavam as camisas que vestiam, o futebol era amadorístico e maravilhoso!

Luizinho, o “Pequeno Polegar”, o maior ídolo corintiano, estava irado, só dava São Paulo, o Corinthians era freguês!

Ao avistar os atletas são-paulinos que saíam da casa de Alfredo, na Rua Felipe Cardoso, justamente no momento em que os corintianos chegavam, Luizinho não teve dúvidas, colheu do chão um tijolo e arremessou-o contra Gino atingindo-o na testa!

Foi uma guerra.

Até hoje os mais antigos moradores do bairro do Jardim da Saúde comentam esse acontecimento.

A decisão do Campeonato Paulista de 1957, entre São Paulo e Corinthians seria vivida depois, imaginem sob que clima!

Gino, nosso personagem, foi execrado pelo “bando de loucos” e idolatrado de vez pela torcida do “Mais Querido”. Não são raras as fotos da época que mostram o “tanque de guerra”, a “arma mortífera”, Gino Orlando, com a testa envolta em um grande esparadrapo, balançando as redes...

Gino foi, e é, um símbolo do São Paulo FC.

Naquele tempo se jogava menos, o número de jogos era infinitamente menor mas, mesmo assim, Gino é, até os dias que correm, o segundo maior artilheiro da história do clube.

Gino, o tanque, a arma mortífera, fez maravilhosos 237 gols com a sacrossanta camisa das três cores mais lindas do mundo, entre os anos de 1953/62, só perde para Serginho Chulapa.

Gino participou do jogo de inauguração do Morumbi, em 1960 e, sabem de uma particularidade? Foi de Gino a primeira bola que bateu na trave em nosso Templo sagrado. Aos 43 minutos do 2º tempo do jogo entre São Paulo x Sporting, Gino carimbou a trave pela vez primeira. A torcida lamentou, queria que o seu goleador-mor, a arma mortífera, o tanque de guerra, pesadelo dos adversários, fizesse o gol...

Gino era um valente em campo. Técnica? Nada de técnica, Gino era um craque destemido, era um briguento que queria a bola, ninguém, nenhum zagueiro, jamais o assustou; ao contrário, enfrentar Gino causava paúra nas defesas inimigas.

Fora de campo, Gino Orlando era um gentleman. Correto, Gino era um homem com H maiúsculo. Um dia Luizinho, o “pequeno polegar” corintiano, se desculpou publicamente com ele por tê-lo ferido no lamentável episódio do Jardim da Saúde. Gino recebeu as desculpas, abraçou o craque do alvinegro, perdoou; só os grandes espíritos sabem perdoar. O gesto de Gino foi magnífico.

Gino, depois de encerrar a gloriosa carreira como colecionador de gols de todos os tipos, permaneceu dedicado ao São Paulo FC, o São Paulo reconheceu nele uma alma tricolor.  Gino foi ser o “Prefeito do Morumbi”, administrou com inigualável competência o estádio até o dia de sua morte, em 24/04/03, ninguém conhecia mais o “Cícero Pompeu de Toledo” do que o “seu Gino”.

Convivi com o Gino no Morumbi, na época em que ele administrava o estádio. Gino era doce, equilibrado, modesto, era educado, dele ouvi muitas histórias, pessoa humilde, atendia a todos com a mesma educação e simplicidade. 

Nem parecia que ele fora um ídolo amado, maiúsculo, gigantesco, inesquecível, da história do Mais Querido.

Gino é um imortal astro da epopéia são-paulina, essa epopéia tão farta de exemplos edificantes. Gino foi um bravo, foi um lutador, foi uma legenda. Gino foi um devastador de defesas, foi um executor implacável de goleiros, foi um tormento para os adversários, um pesadelo, ele era letal na área.

Gino é para sempre, são-paulinos! Gino Orlando, artilheiro destemido, fantasma dos rivais, tanque de guerra na área, arma mortífera!

Camisa 9  inesquecível, uma lenda, Gino Orlando foi “o cara”. Nunca será olvidado.

Ave, Gino!

Paz, meus iguais.

Antonio Carlos Sandoval Catta-Preta é advogado e são-paulino.

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antoniocattapreta@yahoo.com.br

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